A dignidade sexual é um direito fundamental que assegura a proteção da integridade moral, psíquica e física do indivíduo, encontrando amparo na própria Constituição Federal.
No serviço público, este princípio ganha contornos ainda mais relevantes, pois se espera que os servidores ajam em estrita conformidade com a legalidade, a ética e o respeito aos cidadãos e colegas de trabalho.
Contudo, situações de assédio sexual podem ocorrer em qualquer esfera, gerando profunda violação dos valores éticos e atentando contra a dignidade daqueles que sofrem tais práticas.
Um dos maiores desafios na apuração desses casos, sobretudo no âmbito do Processo Administrativo Disciplinar (PAD), surge quando a palavra da vítima constitui o único elemento de prova.
Este artigo apresenta e discute o problema de se realizar um PAD por assédio sexual em que a vítima seja a única prova, destacando a importância de garantir tanto a proteção à dignidade sexual quanto o contraditório e a ampla defesa.
ÍNDICE
O que é dignidade sexual?
A dignidade sexual é um direito decorrente da dignidade humana em conjunto com a liberdade sexual.
Por ser um dever de todos, observado individualmente, o estado passa a ter o dever de proteção dos indivíduos, contra atitudes que violem ou busquem violar tal direito.
Esse dever se torna ainda importante quando observamos as relações internas do estado, ou seja, na própria administração pública, na relação profissional entre os seus servidores.
Desta feita, temos que a dignidade sexual corresponde à autonomia que cada um deve ter em relação à sua sexualidade, de modo que haja respeito pelos demais, com garantia de não discriminação, violação em função da sua expressão ou orientação sexual.
E isso implica no direito de cada um exercer de forma livre a sua liberdade sexual.
O que é assédio sexual?
Assédio sexual é toda conduta de cunho sexual não consentida, que humilha, constrange ou viola a liberdade sexual de outra pessoa.
Em geral, o assédio sexual pode se manifestar de diversas formas, tais como:
- Aproximações físicas indesejadas
- Propostas ou convites inapropriados
- Insinuações verbais de caráter sexual
- Mensagens, gestos e brincadeiras ofensivas
Assédio sexual é crime?
Sim. A legislação brasileira prevê o assédio sexual como crime no art. 216-A do Código Penal, que tipifica a conduta de
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Parágrafo único. (Vetado)
§ 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.
Quais são os elementos para a configuração do crime de assédio sexual?
Os elementos para a configuração do crime de assédio sexual são:
- Constrangimento: O autor da conduta exerce pressão ou ameaça (explícita ou implícita) que cause temor ou desconforto na vítima.
- Vantagem ou favorecimento sexual: O objetivo do assediador é obter algum tipo de benefício sexual; não se exige que esse favorecimento seja efetivado, apenas que exista a intenção ou a proposta.
- Hierarquia ou relação de ascendência: É essencial que o agente se valha de sua posição de poder, autoridade ou confiança para realizar o constrangimento (por exemplo, chefias, supervisores, professores, ou qualquer outro tipo de dominância real ou presumida).
Quais são as consequências penais e administrativas do crime de assédio sexual?
As consequências penais e administrativas do crime de assédio sexual são:
- Pena de detenção: Como mencionado, o Código Penal estabelece a possibilidade de reclusão de 1 a 2 anos para o crime de assédio sexual.
- Aumento de pena: Quando a vítima é menor de 18 anos a pena será aumentada.
- Sanções disciplinares: Além das consequências criminais, o agente público assediador pode ser responsabilizado administrativamente, dependendo do estatuto do servidor (federal, estadual ou municipal) e da gravidade dos fatos, inclusive com pena de demissão no âmbito federal, conforme Parecer Vinculante da AGU, conforme veremos mais adiante.
O que é assédio sexual no contexto do serviço público?
No contexto do serviço público, o assédio sexual envolve a utilização de posição hierárquica ou de influência para obter favores sexuais, ou para impor comportamentos e insinuações de natureza sexual que gerem desconforto à vítima.
Não deveras vezes, determinados servidores públicos utilizam-se do seu cargo hierárquico ou até mesmo proximidade em razão do serviço exercido para a prática de assédio sexual no trabalho.
Poderíamos dizer, portanto, que o assédio sexual no trabalho (serviço público) é qualquer comportamento indesejado de caráter sexual, demonstrado de maneira verbal ou não verbal, com ou sem contato físico, para perturbar ou constranger, atentar contra a dignidade, ou, ainda, criar ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
Como funciona o assédio sexual na administração pública federal?
Em 04/09/2023, com publicação no DOU 06/09/2023 - Edição extra, o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva aprovou o Parecer n.º 00015/2023/CONSUNIAO/CGU/AGU que fixa pena de demissão para casos de assédio sexual no âmbito da administração pública federal.
Com a aprovação, o referido parecer da AGU se tornou vinculante e determina a demissão como punição para casos de assédio sexual na Administração Pública Federal.
Até então, a Lei nº 8.112/90 não tipificava expressamente o assédio sexual como desvio funcional, gerando dúvidas sobre a penalidade a ser aplicada.
Agora, o parecer unifica o entendimento de que o assédio sexual deve ser enquadrado como conduta proibida sujeita à demissão, mesmo sem haver hierarquia entre assediador e vítima, desde que o cargo do agente seja relevante para a prática do assédio.
Com a aprovação do parecer, o objetivo é trazer segurança jurídica e uniformizar a aplicação de punições em processos administrativos disciplinares, em consonância com novas legislações que reforçam o combate ao assédio e à discriminação no serviço público federal.
Entendendo o Parecer Vinculante da AGU n. 0015/2023/CONSUNIAO/CGU/AGU
Para podermos ter uma visão ampla sobre o Parecer Vinculante da AGU n. 0015/2023/CONSUNIAO/CGU/AGU, vamos destacar a delimitação da discussão, o conceito de assédio sexual e a conclusão do parecer:
- Delimintação da discussão:
"5. A questão colocada para análise pode ser assim enunciada: qual tratamento disciplinar deve ser conferido ao assédio sexual, praticado por servidor público federal, no seu exercício profissional ou a ele relacionado? Dizendo de forma mais didática: é possível predefinir a pena - e qual seria ela - a ser aplicada, uniformemente, a todos os casos de assédio sexual apurados na âmbito da Administração Pública Federal?"
- Conceito de assédio sexual adotado no Parecer:
"A prática de assédio sexual, compreendida de forma ampla como quaisquer condutas de natureza sexual manifestadas no exercício do cargo, emprego ou função pública ou em razão dele, externada por atos, palavras, mensagens, gestos ou outros meios, propostas ou impostas a pessoas contra a sua vontade, independentemente do gênero, que causem constrangimento e violem sua liberdade sexual, sua intimidade, sua privacidade, sua honra e sua dignidade, afrontam a moralidade administrativa, o decoro, a dignidade da função pública e da instituição, caracterizando-se como transgressão disciplinar de natureza gravíssima." (Em citação ao Parecer n. 00001/2023/PG-ASSEDIO/SUBCONSU/PGF/AGU)
- Conclusão do Parecer:
"3. CONCLUSÕES
65. As condutas ofensivas à dignidade sexual, praticadas no ambiente de trabalho ou que guardem alguma relação com o serviço, são puníveis com pena de demissão, nos termos dos artigo 132, XIII c/c 117, inciso IX e do artigo 132, inciso V, da Lei n. 8.112/1990.
66. Configura o tipo administrativo do artigo 117, IX, da Lei n. 8.112/1990, a conduta do agente tendente a obter algum proveito de natureza sexual, por meio de interações não consentidas, indesejadas, inaceitáveis, impróprias ou ofensivas para o destinatário e que guarde relação com o exercício irregular dos poderes ou prerrogativas do cargo ou função. Não é necessário que haja superioridade hierárquica em relação à vítima, mas o cargo deve exercer um papel relevante na dinâmica da ofensa.
67. Configura o tipo administrativo do artigo 132, V, a incontinência pública ou a conduta escandalosa do servidor, que ofende de forma gravíssima a moralidade administrativa. Enquadram-se nessa hipótese as condutas descritas no Título VI - Dos crimes contra a dignidade sexual, do Código Penal, bem como todas as condutas de natureza sexual que sejam, ou venham a ser, tipificadas pelas demais leis penais. Se o Direito Penal, que é a resposta última do Estado, criminaliza determinada conduta por considerá-la ofensiva à dignidade sexual, significa que ela é, consequentemente, escandalosa, nos termos do artigo 132, V, da Lei n. 8.112/1990."
Análise do Parecer Vinculante da AGU n. 0015/2023/CONSUNIAO/CGU/AGU
Apesar do termo "assédio sexual" ser amplamente conhecido na sociedade, o ordenamento jurídico brasileiro ainda carece de um conceito uniforme, ainda mais quando abordamos a esfera administrativa sancionatória.
O próprio Parecer da AGU salienta que, em diferentes momentos, a legislação brasileira adotou concepções variadas de assédio sexual. Em certos casos, o entendimento se amplia, abarcando praticamente todas as formas de ofensa à dignidade e à liberdade sexual. Em outros, como no Código Penal, o conceito é mais restrito, tratando o assédio sexual como apenas uma das várias condutas presentes na seção de crimes contra a dignidade e a liberdade sexual.
O fato é que o conceito que o Parecer da AGU adotou é aquele mais amplo (acima destacado), de modo que o conceito amplo de assédio sexual é "referência principal na descrição dos comportamentos violadores da dignidade sexual e puníveis com pena de demissão".
É importante mencionar que esse conceito é dado por um parecer normativo da AGU, o que entendemos que viola, desde o início, o tipicidade formal, necessária para a criação de um dever jurídico a ser observado pelos demais, cuja inobservância tem o condão de aplicar uma sanção naquela esfera, no caso o Direito Administrativo Sancionador.
E, conforme a AGU, no referido parecer, a configuração da prática de ato de assédio sexual implica necessariamente na aplicação da pena de demissão.
Já o Estado do Amazonas instituiu a Lei nº 5.378, de 6 de janeiro de 2021, que dispõe sobre combate a práticas de assédio sexual em estabelecimentos da Administração Direta e Indireta do Estado do Amazonas.
O art. 2º desta lei dispõe que
Art. 2º Entre outros atos e condutas possíveis, considera-se assédio sexual para fins desta Lei:
I – comportamentos sexualmente sugestivos, como olhares fixos direcionados às partes íntimas e gestos libidinosos ofensivos;
II – assobio destinado a constranger vítimas que caminham nas dependências de estabelecimentos públicos;
III – segurar nas próprias genitais a fim de direcionar gesto obsceno;
IV – beijos forçados em qualquer parte do corpo;
V – repetidos pedidos de se encontrar fora do horário de expediente acompanhado de seguidas negativas;
VI – mensagens sexuais explícitas em e-mails, mensagens de texto ou mídia social usando equipamentos da Administração Pública ou equipamentos pessoais no âmbito dos estabelecimentos públicos;
VII – comentários sexualmente sugestivos quanto a aspecto de aparência física, como peso, altura, formato do corpo, condição de pele, tatuagens ou marcas de nascimento;
VIII – impedir ou bloquear fisicamente movimentos da vítima;
IX – pedidos de massagem;
X – requisitar fotos íntimas ou em poses sensuais;
XI – pedidos explícitos da prática de atos libidinosos; e
XII – esfregar o corpo contra o corpo de outra pessoa.
Parágrafo único. As atitudes descritas neste artigo são meramente exemplificativas, estendendo-se a todo e qualquer comportamento sexual, seja ele físico, verbal ou escrito, que cause perturbação ou constrangimento, e crie um ambiente intimidativo, hostil, humilhante e desestabilizador.
Enquanto o Estado do Amazonas prevê que a prática de assédio pode implicar em diversas sanções, tais como multa, advertência e demissão; na esfera federal a AGU, em seu parecer de caráter vinculante, defende que a caracterização da prática de assédio sexual tem como única sanção a penalidade de demissão, afirmando que “não existe discricionariedade para aplicação de pena menos gravosa, conforme entendimento já pacificado pelos Pareceres vinculantes da AGU GQ 177 e GQ 183, aprovados pelo Presidente da República e de cumprimento obrigatório por toda a Administração Pública Federal, nos termos do artigo 40 da Lei Complementar n. 73, de 10 de fevereiro de 1993.”
Além disso, a AGU afirma, ainda, que "Conquanto não se exija a reiteração das condutas para a configuração do assédio sexual - no caso, do valimento do cargo - não se desconhece que a insistência do agente, mesmo em face da ausência de consentimento da vítima, configura uma circunstância agravante e de grande relevância probatória. Em certas situações, pode não ser fácil determinar o caráter ilícito de uma conduta pontual, mas a repetição do atos não consentidos colabora para tornar evidente a ilicitude".
Ou seja, o servidor pode ser demitido por um único ato, em que fique caracterizado como “qualquer conduta de natureza sexual”, externada por palavras, gestos ou outros meios, que cause constrangimento (algo que depende, às vezes, mais do receptor da mensagem do que do emissor) e viole a intimidade, privacidade, honra e a dignidade; o que convenhamos é extremamente subjetivo.
Chamamos a atenção para as duas subjetividades acima, especificamente a ideia de constrangimento e a violação da intimidade, privacidade, dentre outros, sofrido pela vítima, para discutir se o servidor pode ser condenado por assédio sexual em que a única prova no processo administrativo disciplinar seja a palavra da vítima.
E isso porque sabemos que esse tipo de infração é normalmente cometida sem testemunhas ou até mesmo sem outras formas de prova, tais como câmeras de vídeo.
Por outro lado, o reconhecimento deste ato pode implicar na demissão do servidor do serviço público.
A força probatória do depoimento único da vítima, segundo a doutrina
Para discutir se o servidor pode ser punido quando a palavra da vítima é a única prova, é importante observar alguns ensinamentos doutrinários:
Renato Brasileiro1, reforça que:
- "Em virtude do sistema da livre persuasão racional do juiz, o valor probatório das declarações do ofendido é relativo. Logicamente, nos crimes cometidos às ocultas, a palavra da vítima ganha um pouco mais de importância, mas daí não se pode concluir que seu valor seria absoluto. É o que acontece, por exemplo, em crimes contra a dignidade sexual, geralmente cometidos em locais ermos, sem testemunhas presenciais, etc, hipótese em que as declarações da vítima se revestem de especial relevância".
Távora e Alencar2 defendem que:
- o ofendido e o titular do direito lesado ou posto em perigo é a vítima, sendo que suas declarações, indicando a versão que lhe cabe dos fatos, além de que, embora não haja hierarquia entre as provas, como dito anteriormente, e mesmo que a palavra da vítima tenha validade, há uma valoração maior no depoimento de uma testemunha, pois esta é compromissada com a lei. Por outro lado, a declaração da vítima não tem natureza testemunhal, razão pela qual ela não está compromissada com a verdade.
Nucci3 segue a mesma linha de raciocínio de que:
- não se pode dar o mesmo valor à palavra da vítima, que se costuma conferir ao depoimento de uma testemunha, esta (a vítima), presumidamente, imparcial. Assim, há o comprometimento processual, considerando que a vítima não presta compromisso de dizer a verdade ao prestar suas declarações, portanto, não pratica o delito de falso testemunho.
Já Lopes Júnior4 também considera a possibilidade de contaminação material:
- deve-se considerar, a priori, que a vítima está contaminada com o “caso” , considerando que faz parte deste. Isso leva a interesses diretos nos mais diversos sentidos. Sendo assim, se há uma contaminação em plano material, e também contaminação em plano processual, seria uma questão de lógica para que a palavra da vítima, sem apoio de outros instrumentos probatórios, não fosse suficiente para suportar uma sentença condenatória.
Por fim, não se pode deixar de afirmar que a vítima pode ter falsas memórias, que pode ser definidas como “lembranças de eventos que não ocorreram, em situações não presenciadas, de lugares jamais vistos ou de lembranças distorcidas algum evento"5.
A responsabilidade subjetiva do agente público
Além disso, o art. 28 da LINDB dispõe que o agente público apenas responde por seus atos em caso de dolo ou culpa grave.
Isto implica em uma responsabilização subjetiva, em que a intenção ou a culpa grosseira é indispensável para a configuração do ato infracional, haja vista que a regra é a responsabilidade subjetiva, sendo admitida a responsabilidade objetiva apenas nos casos especificados na mesma lei, mas não na esfera sancionatória dos agentes públicos.
O devido processo legal e contraditório nos casos de assédio sexual
O que significa devido processo legal?
O devido processo legal é um princípio constitucional que assegura a qualquer pessoa (incluindo servidores públicos sob investigação) o direito a um julgamento justo, imparcial e equilibrado.
Na prática, significa que a Administração Pública deve observar todas as etapas e formalidades previstas em lei, garantindo que o investigado tenha oportunidade de conhecer e responder às acusações, apresentar provas e acompanhar todo o desenrolar do processo.
No âmbito administrativo, o devido processo legal engloba uma condução transparente e objetiva das investigações, a garantia de defesa para as partes envolvidas e a observância das regras legais aplicáveis — desde a instauração do processo até a decisão final.
Como assegurar contraditório e ampla defesa no PAD por assédio sexual?
Para que se assegure o contraditório e ampla defesa do investigado no PAD por assédio sexual é importante observar os seguintes pontos:
- Notificação adequada: O servidor acusado de assédio sexual deve ser notificado de forma clara e tempestiva sobre os fatos que lhe são imputados, bem como sobre o início do Processo Administrativo Disciplinar (PAD).
- Acesso aos autos: É fundamental permitir que o acusado e seu defensor tenham acesso a todos os documentos, depoimentos e provas existentes no processo, para poderem preparar a defesa de forma em sua plenitude.
- Produção de provas: A Administração deve oportunizar ao servidor a apresentação de contraprovas, depoimentos de testemunhas, documentos e demais elementos que possam esclarecer os fatos em discussão.
- Oitiva do acusado: Além da participação formal, o acusado deve se manifestar em todos os momentos oportunos, para esclarecer divergências ou contradições que surjam durante a instrução processual.
- Imparcialidade da comissão processante: A comissão ou autoridade responsável pelo PAD deve atuar de forma neutra, sem pré-julgamentos, e motivar a decisão final com base nas provas e argumentos apresentados.
- Ampla defesa técnica: Não é necessária a presença de um advogado, mas é extremamente recomendável que o acusado possa contar com o auxílio de um advogado especialista em PAD, de modo que lhe resultará em um aproveitamento melhor na instrução processual e observância dos direitos do investigado.
Ao cumprir esses requisitos, a Administração Pública preserva tanto a dignidade sexual das possíveis vítimas quanto as garantias constitucionais de defesa dos servidores investigados, reforçando a legitimidade e a segurança jurídica do resultado final do processo.
Metodologias de investigação no PAD por assédio sexual que vão além da palavra da vítima
Quando o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) envolve alegações de assédio sexual, a condução de uma investigação rigorosa e imparcial é fundamental para se chegar a uma conclusão justa.
A busca pela verdade real (princípio da verdade material) exige que a autoridade administrativa empregue métodos adequados de coleta e análise de evidências, de modo a embasar a decisão de forma consistente e transparente.
Ademais a coleta de provas adicionais e entrevistas são mecanismos que a comissão e as partes envolvidas têm para garantir um julgamento justo, indo além da palavra da vítima.
Coleta de provas adicionais à palavra da vítima
- Documentos e registros internos
- Analisar eventuais trocas de mensagens (e-mails, aplicativos de mensagens, redes sociais corporativas), desde que haja previsão legal ou autorização para acesso a tais registros.
- Verificar relatórios de frequência, escalas de serviço, folhas de ponto ou qualquer outro documento que possa indicar a presença ou ausência das partes nos locais e horários indicados.
- Câmeras de segurança ou sistemas de vigilância
- Nos casos em que o ambiente de trabalho dispõe de circuitos internos de TV ou sistemas de vigilância, avaliar se há registros que possam confirmar ou refutar as alegações.
- Evidências digitais
- E-mails, mensagens ou postagens relevantes podem ser essenciais para comprovar ou afastar as denúncias.
- Mesmo que existam dificuldades técnicas ou legais, sempre que houver indicativo de prova digital, é importante requisitá-la de forma segura e autêntica, para preservar sua validade jurídica.
- Outras fontes documentais
- Registros de atendimentos em setores especializados (ouvidorias, corregedorias, setores de RH, etc.) que possam ter recebido denúncias anteriores ou correlatas.
- Laudos médicos ou psicológicos, caso a vítima alegue ter sofrido danos à saúde em consequência do assédio.
Entrevistas e diligências
- Oitiva das partes envolvidas
- Vítima: Deve ser ouvida em ambiente reservado, com confidencialidade, para estimular a livre manifestação dos fatos e evitar constrangimentos adicionais.
- Acusado: Garante-se o direito de resposta, ouvindo sua versão de forma respeitosa, assegurando o contraditório e ampla defesa.
- Eventuais cúmplices ou terceiros: Se houver indícios de conivência ou participação de outras pessoas, essas também podem ser convidadas a prestar esclarecimentos.
- Testemunhas e pessoas do convívio profissional
- Identificar possíveis testemunhas diretas (que presenciaram ou ouviram algo) ou indiretas (que possam atestar sobre o comportamento das partes ou o clima organizacional).
- Ao ouvir testemunhas, deve-se manter uma postura neutra, evitando perguntas tendenciosas e assegurando que elas se sintam confortáveis para relatar o que sabem.
- Diligências in loco
- Visitar o ambiente de trabalho em que teriam ocorrido os fatos pode ajudar a esclarecer detalhes, como a disposição das salas, possíveis câmeras de vigilância, rotas de acesso, entre outros.
- Entrevistar colegas que trabalhem no mesmo setor ou departamento, sempre respeitando a privacidade e a dignidade das pessoas envolvidas.
- Perícias especializadas
- Em casos mais complexos, pode ser necessário recorrer a peritos ou especialistas (ex.: análise técnica de equipamentos, perícia em registros digitais, avaliação psicológica etc.).
- A perícia deve ser conduzida por profissionais imparciais, selecionados conforme a legislação pertinente, para garantir a confiabilidade dos resultados.
- Respeito à dignidade e confidencialidade
- Tanto a vítima quanto o acusado devem ter a segurança de que a investigação será conduzida de forma sigilosa, de modo a preservar a honra e a imagem de todos.
- As diligências precisam equilibrar a busca pela verdade com a proteção de dados pessoais e a intimidade das pessoas envolvidas.
Por que essas metodologias são importantes?
A coleta de provas adicionais e a realização de entrevistas e diligências detalhadas garantem que a comissão processante (ou a autoridade responsável) tenha uma visão ampla e fiel dos fatos, indo além da palavra da vítima.
Esse conjunto de procedimentos aumenta a confiabilidade da instrução processual e reduz o risco de decisões equivocadas — sobretudo em casos em que a palavra da vítima seja a principal (ou a única) evidência.
Dessa forma, cumpre-se o dever de resguardar tanto a dignidade sexual quanto as garantias constitucionais de todos os envolvidos.
Como equilibrar proteção e garantias constitucionais e processuais em casos envolvendo assédio sexual?
Ao longo desta análise, observamos que o assédio sexual no contexto do serviço público representa grave violação à dignidade sexual, impondo-se à Administração o dever de proteger as vítimas e punir eventuais infratores de forma efetiva.
Contudo, constatou-se também que:
- A palavra da vítima, embora relevante, não pode ser a única prova a embasar, por si só, a demissão do servidor — sob pena de se ferir o devido processo legal.
- A dificuldade de comprovação do assédio sexual decorre, na maioria, da natureza sigilosa ou silenciosa com que essas condutas costumam ocorrer.
- Pareceres normativos e legislações estaduais variam quanto à gradação de penalidades, gerando controvérsia sobre a necessidade de demissão imediata em qualquer tipo de assédio sexual ou a viabilidade de sanções mais proporcionais.
- O devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa são princípios essenciais que norteiam todo Processo Administrativo Disciplinar (PAD), sobretudo em casos sensíveis como o assédio sexual.
Considerações finais
Isto posto, a despeito da importância da declaração da vítima, esta deve ser analisada com cuidado e rigor, considerando o contexto e a credibilidade das declarações; de modo que ela deve servir com indício e indicativo da materialidade da infração.
Entretanto, cabe à administração pública, a partir do princípio da oficialidade e da verdade material, agir de ofício com vistas a apurar a situação.
Assim, é necessário que a autoridade administrativa realize uma análise criteriosa das provas e dos fatos apresentados, assegurando o contraditório e a ampla defesa ao acusado, bem como busque outros meios de provas.
Outros elementos, como o comportamento anterior do acusado, a existência de indícios corroborativos ou depoimentos de testemunhas indiretas, também podem ser considerados para formar o convencimento da comissão processante.
Em resumo, a palavra da vítima não pode ser considerada prova suficiente em um processo administrativo disciplinar, salvo se acompanhada de uma análise rigorosa e justa dos fatos e das circunstâncias envolvidas e corroborada por outros elementos probatórios.
Qual a pena para assédio sexual em um PAD?
Em um PAD, a pena para o servidor acusado de assédio sexual pode variar conforme a legislação, mas, em geral, o entendimento majoritário — principalmente na esfera federal, conforme Parecer Vinculante da AGU n. 0015/2023/CONSUNIAO/CGU/AGU — é de que a prática de assédio sexual implica a aplicação da pena de demissão. Em alguns estados e municípios, contudo, pode haver gradação de sanções administrativas (advertência, suspensão, multa etc.) para casos de menor gravidade, desde que respaldadas em leis locais específicas.
Como se livrar de uma acusação de assédio sexual no PAD?
Para se defender adequadamente de uma acusação de assédio sexual em um PAD, é fundamental contar com a orientação de um advogado especializado em PAD, pois ele poderá analisar detalhadamente as provas e orientar sobre a estratégia de defesa. O advogado auxiliará na formulação de argumentos, na busca de testemunhas e documentos relevantes, além de acompanhar cada etapa do processo, zelando pelo contraditório e pela ampla defesa. Dessa forma, é possível apresentar de forma consistente e transparente qualquer fato ou evidência que contrarie a denúncia, buscando preservar os direitos e a integridade do servidor ao longo do procedimento.
- LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal comentado, 2. ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 642. ↩︎
- TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal, 11. ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 954. ↩︎
- NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 15. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. ↩︎
- LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal.12.ed. [S.l.]:Saraiva,2015. ↩︎
- EGER, Polliana O gibowski; MORAES, Carlos Alexandre de. Estupro de Vulnerável, a palavra da vítima e os riscos da condenação. In: IX Mostra Interna de Trabalhos de Iniciação Científica. Maringá/PR: [s.n.], 2018. Disponível em: http://rdu:unicesumar:edu:br/ bitstream/123456789/2114/1/polliana_ogibowski_eger:pdf.
↩︎