A fase de cumprimento de sentença na improbidade administrativa é um capítulo crucial no processo. Este artigo tem como objetivo desmistificar essa etapa, oferecendo uma visão clara e abrangente sobre como as sentenças relacionadas à improbidade administrativa são executadas no Brasil.
Entender o cumprimento de sentença nesse contexto é essencial para profissionais do direito, servidores públicos e qualquer pessoa interessada no funcionamento efetivo da justiça administrativa. Abordaremos os procedimentos, desafios e nuances legais envolvidos no processo de execução de sentenças, destacando aspectos práticos e teóricos.
Neste guia, você encontrará informações detalhadas sobre as etapas do cumprimento de sentença, as ferramentas legais disponíveis e os possíveis obstáculos que podem surgir. Seja você um advogado buscando aprimorar sua prática profissional ou um cidadão buscando compreender melhor os mecanismos de combate à improbidade administrativa, este artigo oferece um panorama completo e esclarecedor sobre um dos aspectos mais importantes do direito administrativo brasileiro.
CONTEÚDO
As penas a improbidade administrativa
Sobre o cumprimento de sentença na improbidade administrativa, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, § 4º, os atos de improbidade administrativa tem como pena, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível:
- a suspensão dos direitos políticos;
- a perda da função pública;
- a indisponibilidade dos bens; e
- o ressarcimento ao erário
Além disso, a Lei n.º 8.429/1992, que veio regular a improbidade administrativa, acrescentou outras sanções como a multa e a proibição de contratar com a administração pública.
Cumprimento de sentença na improbidade administrativa: o que diz a lei?
Nesse sentido, o art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa veio trazer as gradações para cada tipo de ato de improbidade administrativa, de modo a prever o art. 9º (enriquecimento ilícito) como o tipo de improbidade administrativa mais grave, seguido pelo art. 10 (prejuízo ao erário) e, posteriormente, pelo art. 11 (violação dos princípios). Vejamos:
Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
I - na hipótese do art. 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 (catorze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (catorze) anos;
II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos;
III - na hipótese do art. 11 desta Lei, pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos;
Assim, essas são as penas e limites a serem observados pelo juiz ao elaborar a sua decisão, que poderá aplicar as sanções de acordo com o seu entendimento acerca da gravidade dos fatos, em um juízo de razoabilidade/proporcionalidade sobre a conduta praticada e a sanção a ser aplicada.
Posteriormente, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, iniciar-se-á a fase de cumprimento de sentença, em que as penas serão aplicadas. Quanto a isso, é necessário observar que há diversos direitos dos executados que devem ser observados. Vejamos:
Primeiramente, quanto à suspensão dos direitos políticos, a Lei n.º 8.429/92, após as alterações da Lei n.º 14.230/21, dispõe que, em seu art. 12, § 10, que a contagem do prazo da sanção de suspensão dos direitos políticos deve retroagir à data da decisão colegiada para ser computada.
Ou seja, se antes dessa alteração o período entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória não era computado para fins de contagem do prazo. Agora é!
Quanto à perda da função pública só pode ocorrer, após as alterações da Lei n.º 14.230/21, em razão do ato de improbidade administrativa do art. 9º e 10.
Ou seja, não é mais possível haver a sanção de perda do cargo em razão dos atos de improbidade administrativa tipificado no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa.
Além disso, o servidor apenas pode perder o vínculo da mesma qualidade e natureza que ele detinha quando da época do cometimento da infração (§ 1º).
Apenas de modo excepcional, em razão das circunstâncias e gravidade da conduta – e devidamente fundamentado – o magistrado pode, quando da improbidade administrativa tipificada pelo art. 9º, perder o cargo decorrente de outro vínculo diverso da época da infração.
Outro aspecto bem importante é a questão patrimonial. Quanto a isso, o demandado pode sofrer a pena de ressarcimento ao erário e de multa, que pode chegar a 24x (vinte e quatro vezes) o valor da remuneração dos agentes públicos.
Na fase de cumprimento de sentença, a correção monetária e os juros de mora das sanções de ressarcimento ao erário e da multa civil têm, como dia inicial de incidência, a data do evento danoso (o ato ímprobo), mês a mês, nos termos das Súmulas 43 e 54 do STJ e do art. 398 do Código Civil, conforme entendimento do E. STJ alusivo ao ressarcimento ao erário (Resp 1336977/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. em 13/08/2013) e à multa civil (Resp 1645642/MS, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 07/03/2017).
Por outro lado, deve-se estar atento que há patrimônio que são impenhoráveis, como o bem de família (ver Lei n.º 8.009/90) – salvo se o bem de família for decorrente do próprio ilícito da improbidade administrativa -, a pequena propriedade rural (Tema 961 do STF), bem como aqueles previstos no rol do art. 833 do CPC, tais como:
- os bens móveis, os pertencentes e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado (inc. II);
- os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal (inc. III);
- os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado (inc. V);
- a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos (inc. X);
- os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei (inc. XI);
- os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra (inc. XII).
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, por diversas vezes, que os bens impenhoráveis não podem nem ser tornados indisponíveis[1] (Informativo n.º 539, STJ).
Inclusive, já entendeu também que “os valores investidos em aplicações financeiras cuja origem remonte a verbas trabalhistas não podem ser objeto de medida de indisponibilidade em sede de ação de improbidade administrativa”, vez que isso é uma forma de o trabalhador proteger a sua remuneração contra a inflação e os infortúnios.
A jurisprudência do STJ se firmou também no sentido de que, até o limite de 40 salários-mínimos depositados em qualquer tipo de conta bancária, a impenhorabilidade há de ser respeitada. (RESp 1.812.780)
Desta forma, é de fundamental importância que se contacte um advogado para evitar perdas patrimoniais maiores do que o devido, bem como para realizar um planejamento financeiro na fase de cumprimento de sentença em condenação em ação de improbidade administrativa.
[1] STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp n.º 362.027/MG. Relator: Min. Herman Benjamin, j. 05.08.2014, DJe 18.08.2014; STJ. 1ª Turma. REsp n.º 1.164.037/RS. Relator: Min. Sérgio Kukina, j. 20.02.2014, DJe 09.05.2014.
É possível fazer acordo nas ações de improbidade administrativa?
Sim, é possível fazer acordos nas ações de improbidade administrativa. Os acordos nesse tipo de processo são chamados de acordo de não persecução civil. Eles permitem que o acusado admita a prática de atos de improbidade administrativa e coopere com as investigações em troca de benefícios, como redução das sanções aplicáveis. No entanto, a possibilidade de firmar um acordo de não persecusão civil dependerá de que dele advenham, ao menos, os seguintes resultados:
I - o integral ressarcimento do dano; ou
II - a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados.
Recomenda-se consultar um advogado especializado em improbidade administrativa para obter orientações mais precisas e adequadas ao seu caso.